O mundo, por outro lado, expandiu-se, complexificou-se. A modernidade, a partir do século 19, começava a exibir seus novos inventos tecnológicos, a expansão do comércio e da indústria, o desenvolvimento dos grandes centros urbanos e dos transportes, cinema, o império capitalista, a sociedade de massa, os meios de comunicação, máquinas, guerras, regimes totalitários. O mundo e os seres humanos a serem representados pelo palco já não eram mais os mesmos: as relações intersubjetivas enfraqueceram-se diante das relações sociais, o anonimato do indivíduo e o esgarçamento das relações interpessoais, entre outros, fizeram com que o teatro se percebesse à deriva, urgindo pela busca de novas formas de representação. De um lado, o drama já sinalizava no fim do século 19 mesmo sinais de crise, a partir da inserção, inicialmente sutil, de elementos épicos no conteúdo e na estrutura do drama convencional. Nessa época, o romance literário, por sua vez, apresentava melhores soluções para representar as questões da vida humana individual, pois, segundo Silvia Fernandes, dispunha de dispositivos narrativos mais eficientes. Assim, das peças em crise, que inclui as de Tchékhov, Strindberg, Hauptmann e Maeterlink, segundo Peter Szondi, a linguagem dramática iniciou um processo de reconfiguração, assumindo recursos narrativos, até chegar, por exemplo, no assumidamente épico teatro de Brecht, no século 20. Seguiram-se Müller, Wilder, entre outros, pondendo-se perceber a impossibilidade do drama burguês de abarcar esse novo admirável e complexo mundo. A partir da segunda metade do século 20, a dramaturgia, denominada contemporânea, não se pauta mais por generalizações. A diversidade de formas e conteúdos híbridos, distintos, é seu denominador comum. De um lado, um palco que deseja narrar para expressar-se rompe os limites da caixa cênica, configura novas relações entre ator e espectador, amplia as possibilidades sígnicas dos elementos cênicos, além de oferecer uma multiplicidade de matrizes textuais (romances, contos, novelas, notícias de jornal, biografias), não esquecendo de que há também, paralelamente, um palco poético, lírico, imagético, performático etc.
Acompanhando essa evolução, mas propondo um salto significativo, na transição do século 20 para o século 21, no Brasil, há a explosão de uma linguagem singular que reestabelece as fronteiras e interseções entre palco e literatura: o romance-em-cena, criado por Aderbal Freire-Filho, cujos espetáculos tornaram-se meu objeto de tese de doutoramento na Unirio, sob orientação da Prof. Dra. Maria Helena Werneck. Aderbal, em entrevista a Fábio Gomes, define a proposta do romance-em-cena como o jogo da ilusão teatral levado ao paroxismo: o discurso em terceira pessoa e a representação em primeira. Não há em cena a figura do narrador, embora a narração se faça presente no discurso, pelo fato do romance ser mantido na íntegra. As narrações referentes aos personagens são ditas pelos atores que os interpretam. O passado e o presente se confundem em cena. Apesar de não haver adaptação literária no romance-em-cena, não se pretendendo transformar narrativa em diálogo, Aderbal se apropria da linguagem teatral para fazer o que ele denomina de adaptação cênica do romance. Trata-se de um trabalho de direção, enquanto dramaturgia da encenação, e das opções necessárias a serem feitas, no sentido de transpor os códigos literários para os recursos teatrais.
Juarez Dias
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